A incrível história da padroeira de Paris contada como você nunca viu.

Explorando os arredores de Paris, fomos conhecer um pouco mais sobre a Santa Genoveva, considerada a padroeira da cidade de Paris. Santa Genoveva é também a protetora contra pragas e desastres naturais. Quando estive recentemente em Nanterre, terra natal da Santa, fui recebido pela querida amiga Martha Cereda que gentilmente nos serviu de guia turística local e nos apresentou a igreja da cidade, que leva o seu nome e onde também mantém depositadas as relíquias da Santa. A palavra “Genoveva” significa “de boa família”. Seu dia é celebrado todo dia 3 de janeiro, data de sua morte.

Nota: Como fiz uma extensa pesquisa, lendo dezenas de artigos e vídeos em vários idiomas, encontrei muitas datas e nomes adversos, porém decidi seguir as datas que constam nos registros da Catedral de Santa Genoveva, em Nanterre, cujas fotos você verá abaixo.

História de Santa Genoveva

Genoveva nasceu em Nanterre, perto de Paris, no ano 420. Era filha única de Severus e Geroncia e formavam uma família muito humilde e modesta. Nesta Época, a Britânia (atual Inglaterra) ainda era dominada pelo paganismo, exigindo da Igreja uma postura de evangelização naquela importante província romana.
Aos 10 anos de idade, um acontecimento lhe marcou: o bispo de Auxerre, São Germano, passou por Nanterre durante sua viagem rumo à Britânia para levar o cristianismo aos pagãos, na intenção de extinguir a heresia crescente naquele país.
A multidão da cidade parou para ver o bispo santo e lhe pedir bênçãos. Foi quando São Germano olhou para os pais de Genoveva e disse: “Feliz de vós que tendes esta menina! Ela será grande perante Deus e, atraídos por sua virtude, muitos pecadores abandonarão o pecado e seguirão a palavra de Jesus Cristo”. (ilustração abaixo)

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Após isto, o bispo presenteou Genoveva com uma cruz e disse para ela não se iludir com ouro e jóias, caso contrário não alcançaria a Luz eterna. Ela guardou muito bem estas palavras em seu coração e prometeu à São Germano que seguiria firme na igreja. Genoveva cresceu baseada em orações e na religiosidade.

Casa onde Santa Genoveva viveu até os 20 anos de idade, em Nanterre. Foto Rogerio Moreira

Certo dia quando sua mãe estava saindo para ir à igreja, Genoveva quis ir junto e pediu à mãe, contudo esta não permitiu. Ela então insistiu dizendo: “Mãe, com a graça de Deus, quero cumprir a palavra que dei ao Bispo Germano, de ir à igreja para merecer a honra que ele me prometeu”. Sua mãe, de educação rígida, não admitiu tal “afronta” e lhe deu um tapa no rosto, mas após este gesto violento, a mãe perdeu totalmente a visão.

O primeiro milagre de Santa Genoveva

Passados 21 meses da cegueira de sua mãe, Genoveva, durante um momento de oração, sentiu que deveria agir em seu favor. Assim, obedecendo sua inspiração, retirou um balde de água do poço do quintal de sua casa, como sempre fazia, benzeu com o sinal da cruz, lavou os olhos de sua mãe e esta recuperou por completo a visão, não apenas física, como também a visão espiritual (ilustração abaixo).

Este poço, que você pode ver logo abaixo em uma foto que eu fiz em 2015, é até hoje um ponto de peregrinação, visitado por fiéis de todo o mundo.

Decisão pela vida religiosa.

Aos 15 anos formou, com um grupo de amigas, uma associação de mulheres dedicadas ao apostolado e em ajudar aos pobres. Vestiam um hábito que as distinguia das outras mulheres. Não eram religiosas mas viviam em santidade, em suas próprias casas ou no local de trabalho, dedicando-se às obras de caridade e penitência, orando, fazendo jejum e ajudando aos mais necessitados.

Painel fixado na Catedral de Santa Genoveva, em Nanterre, conta um resumo da história da Santa. Foto: Rogerio Moreira.

Desde cedo, foi uma religiosa que se dedicou para se livrar das tentações do mundo e para ajudar o próximo no caminho da santidade. Dormia no chão e só se alimentava às quintas e domingos (mantinha uma dieta vegetariana e geralmente comia pão e cevada), por vezes sofria calúnia de populares, mas nunca desanimou.

Urna com algumas relíquias da Santa, na Catedral de Santa Genoveva, em Nanterre. Foto: Rogerio Moreira.

Mudança para Paris

Aos 20 anos, com o falecimento dos pais, mudou-se para Paris, onde passou a morar na casa da madrinha Lutetia (“Lutetia” ou “Lutécia” era o nome anterior da cidade de Paris). Alí continuou a vida de oração, penitência e intercessão pela salvação das almas. Ia tornando-se conhecida pelo seu amor e testemunho de Cristo. Muitas vezes incompreendida pelas pessoas, teve de ser defendida pelo bispo São Germano, o mesmo que a havia chamado para a vida consagrada, ainda na infância.

Contra a guerra, a oração

Sua história como protetora de Paris tem dois episódios significativos e sempre citados: Quando ela tinha 31 anos, no ano de 451, Átila, “o flagelo de Deus” e seu poderoso exército huno, planejava uma invasão à Paris. O boato rapidamente se espalhou e a população apavorada, decidiu abandonar a cidade às pressas. Santa Genoveva os convenceu a ficar e orar, pois deviam confiar em Deus, que impediria a invasão e destruição da cidade. (ilustração abaixo)

Embora quase fosse linchada pelos mais temerosos, sua convicção contagiou a todos e o povo resistiu. Afirma-se que Átila, além de não invadir Paris, ainda abandonou misteriosamente, pouco tempo depois, as outras cidades próximas já conquistadas.

Desse momento em diante todos passaram a enxergar em Genoveva uma grande alma e uma grande líder a quem o povo recorria sempre em casos de necessidade.

Trabalho em prol dos famintos.

Mais tarde, quando a cidade mergulhava na fome e na escassez, Genoveva tomou então um barco, juntamente com populares e navegou pelo Sena a procura de alimentos junto aos camponeses, depois distribuiu generosamente tudo o que foi arrecadado entre os necessitados da cidade, salvando milhares da morte. (ilustração abaixo)

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Por isso Santa Genoveva é invocada sempre que a capital francesa passa por calamidades e não tem recusado proteção, segundo seus devotos.

Reconhecimento nacional

Estes acontecimentos tornaram Genoveva muito conhecida e amada na França. Sua fama de santidade e a forma humilde como anunciava a Cristo chegavam cada vez mais longe. Santa Genoveva ia ao encontro do povo e usava a influência adquirida para socorrer os doentes e famintos. Era uma mulher de caridade. Muitas jovens foram despertadas para a religiosidade a partir do testemunho de Genoveva.

Embora não se atirasse à guerra como Joana D’Arc (que viria ao mundo mais de nove séculos mais tarde), Santa Genoveva fez da atividade política e social uma obrigação tão importante quanto a oração e o jejum. Se Joana D’Arc é lembrada como guerreira, Genoveva se faz protetora nas horas de calamidade e perseguição.

Leia nosso artigo sobre Joana D’Arc

Atuação política

Quando Paris foi ocupada pelo Rei Childerico I e seu exército, ela intercedeu junto ao Rei e ao seu sucessor Rei Clóvis – 481-511 (ilustração abaixo) para conseguir a liberdade dos prisioneiros.

As grandes construções de Santa Genoveva

Após este acontecimento, Santa Genoveva liderou a construção de uma igreja sobre o túmulo de Saint Denis, primeiro bispo e mártir de Lutécia (antigo nome de Paris), decapitado no ano de 258. Esta igreja se transformou depois, na Abadia de Saint Denis, onde, durante séculos, foram enterrados os reis da França.

Leia nosso artigo sobre a Basilica de Saint Denis

Posteriormente, Santa Genoveva intercedeu junto ao Rei Clóvis, primeiro monarca católico da França, e conseguiu que este construísse uma igreja dedicada a São Pedro e São Paulo onde ela poderia ministrar.

Falecimento

Quando morreu, em 502, aos 82 anos, seu corpo foi sepultado na nova igreja dedicada aos apóstolos São Pedro e São Paulo, que ainda estava inacabada e que, com sua canonização, passou a se chamar Abadia de Santa Genoveva (ilustração abaixo). O Rei Clóvis, que morreu em 511 e a Rainha Clotilde, que morreu em 545 também foram sepultados neste local. A abadia foi saqueada e praticamente destruída pelos Vikings em 847 e foi parcialmente reconstruída ao longo das próximas décadas, mas só foi concluída em 1177.

A grande ampliação de Luiz XV

Em 1744, após uma doença grave, cuja cura foi atribuída a Santa Genoveva, o Rei Luiz XV faz a promessa de construir um grandioso templo em homenagem à Santa. Sua arquitetura era tão imponente que a intenção era rivalizar com a basílica de São Pedro, em Roma. A obra foi concluída em 1790.
Boa parte da antiga Abadia de Santa Genoveva foi demolida para dar lugar ao novo templo. Esta nova obra viria a se tornar o que chamamos hoje de Panthéon de Paris.

Para concluir a nova Rue Clovis no local, o que restara do edifício da antiga abadia foi demolido pouco depois de 1800, exceto sua torre do sino, chamada até os dias atuais de Torre Clóvis (foto abaixo). Esta torre foi tudo o que sobrou da antiga Abadia.

Atualmente um dos Colégios mais tradicionais de Paris, o Liceu Henrique IV construído em partes com pedras da abadia, ocupa o lugar do antigo prédio.

O milagre de 1130

No ano de 1130, surgiu em Paris a peste do fogo (intoxicação causada pela ingestão de pães e outros alimentos produzidos com centeio contaminado por um fungo que causava depressão, confusão mental e hipertensão, podendo ainda levar ao coma). Esta peste causou a morte de mais de 1.400 parisienses. Então o povo se uniu, começou a rezar para Santa Genoveva e fez uma procissão com suas relíquias pela cidade. Milagrosamente a epidemia acabou.

Ao longo da história, Santa Genoveva sempre foi invocada por ocasiões de grandes calamidades como epidemias, para implorar a chuva ou contra as inundações do Sena.

A Revolução Francesa

Em 1793,os jacobinos, durante a Revolução francesa, profanaram a Basílica, retiraram o corpo de Santa Genoveva e o cremaram. Suas cinzas foram lançadas no rio Sena.
A Basílica perdeu sua função religiosa e foi transformada, como citado acima, no que hoje é o Panthéon, onde os líderes da revolução foram sepultados.

Tempos depois, a Igreja construiu um outro túmulo com suas relíquias na igreja Saint-Étienne-du-Mont, na praça que leva seu nome, em Paris. Este local é até hoje, ponto de devoção popular (foto abaixo).

O Papa João Paulo II visitou a igreja de Saint-Étienne-du-Mont em 2002, onde rezou perante as relíquias da Santa.

Curiosidade

A igreja Saint-Étienne-du-Mont é aquela, atrás do Panthéon, cuja escadaria lateral serviu de cenário para o filme Meia Noite em Paris. Cena em que Gil Pender, o personagem vivido por Owen Wilson, ao badalar dos sinos à meia-noite, é transportado para a Paris de 1920 (foto abaixo). Os sinos tocados no filme são desta igreja.

Estátua na Pont de La Tournelle

Construída em 1928 em substituição de uma antiga ponte de madeira, a Pont de La Tournellle (fotos abaixo), além de mais moderna, contava agora com uma obra de arte de Paul Landowki, escultor francês que concebeu alguns anos depois, uma das estátuas mais famosas do mundo: o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Na obra, a Santa está voltada para o lado leste, que é de onde deveria chegar o exército huno, comandado por Átila em 451. Na verdade o artista tentou convencer a administração da cidade a instalar a estátua voltada para a Notre Dame. Não conseguiu. A criança, que completa a escultura, representa a cidade de Paris, que sempre foi protegida pela Santa.

No Jardin du Luxemburg há também uma outra estátua em sua homenagem, assinada por Michel-Louis Victor Mercier, datada de 1845 (foto abaixo).

Oração de Santa Genoveva

“Ó Deus, nosso Pai, por intermédio de Santa Genoveva, afastai de nós as doenças, a fome, as guerras, as incompreensões e o ódio entre os irmãos. Concedei-nos uma particular devoção ao solo pátrio e, principalmente, um grande amor por nossos concidadãos. Jamais nos falte Senhor, a vossa proteção e auxílio nas dificuldades e provações pelas quais passamos. Nós Vos louvamos e damos graças. Amém”

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Meu nome é Rogerio Moreira, além de jornalista, sou publicitário e estudei em instituições como PUCC, Unicamp e FGV. Apaixonado por história, acredito que o estudo de nosso passado nos ajuda a entender como nos tornamos o que somos hoje. Nesse blog, busco reunir e compartilhar curiosidades e histórias incomuns sobre Paris e a cultura francesa. Dessa forma pretendo mostrar o lado quase que desconhecido da cidade, fora dos roteiros turísticos tradicionais. Vamos comigo nessa viagem?

2 Comments

  1. Avatar Nicole Masuet disse:

    Muito interessante a vida de Sainte Geneviève. Gostei do artigo, ainda mais importante para mim, porque minha irmã se chama Geneviève. Visitei o Mont Sainte Geneviève, em Paris. Foi muito instrutiva a parte histórica. Obrigada.

  2. Avatar Marilene Cunha disse:

    Adorei a história de Santa Genoveva mas não entendi uma coisa :
    Se ela é do ano 420 como ainda tem sua casa, tão bem conservada?

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